Presa em algum momento que ainda tento descobrir.
Um vento passou por aqui, misturando milhares de ideias.
Tudo o que levei dias para organizar, separar e limpar. Tudo
espalhado pelo chão.
Ao cair do dia, ao passar das horas e ao apagar das luzes,
tudo se confundiu.
Mas confesso, o dia mal havia começado e já me convidava
para dar uma volta pelas minhas vontades.
E ele insistiu, mesmo eu dizendo que não queria. Pela
insistência e circunstâncias, não pude resistir.
Não posso negar, mexer com as lembranças, organizar a vida,
jogar fora coisas velhas, é uma coisa que nos tira um pouco o sossego.
E como sempre, Deus trabalha nos detalhes, no pouco e no
simples.
Não, o dia não está nublado. Pelo contrario, deixei minha
janela aberta para que entrasse em mim o sol, que lá fora brilha. Senti falta
dele.
Após dias e mais dias, em que o céu abraçou a minha dor e
compartilhou comigo as lagrimas que insistiam em cair, hoje vejo o sol brilhar,
para me restaurar as forças, como uma subida à superfície, tomando mais um
pouco de folego.
Você conhece meus limites, não iria me deixar perder o ar.
Não tenho vontade de chorar, apenas me aquietar. Digerindo
atitudes e erros. Interiorizando meu ser. Olhando pra dentro, assim me
encontrando com o Seu olhar.
Tão cuidadoso. Sei que não estou sozinha, irá me ajudar a
organizar tudo, outra vez.
Sei que está me moldando. Aos poucos, vai retirando o que
não é útil, o que é velho, o que é perigoso. Aos poucos vai trocando tudo de
lugar. Tirando a poeira de velhos sentimentos e lembranças.
Eu que sempre fiz isso com minhas próprias mãos, vi que era
impossível transformar algo em mim.
Hoje, vejo em você a esperança, do novo vir e me dar a
direção.
Após anos com a porta trancada, as janelas fechadas, hoje
vejo feixes de luz iluminar. Te deixei entrar e tudo começa a criar vida. Justo
ali, onde nada tocava, nada se movia, nada criava. Era um tumulo de lembranças,
onde ás vezes eu saía e voltava com uma caixa nova e tudo se misturava na
confusão que ali havia.
Perdi tempo demais tentando lembrar onde havia deixado a
chave, busquei em milhares de lugares, em alguns momentos até desisti. Resolvi
sentar e permanecer ali, naquele velho porão. E quando eu já nem lembrava mais
do que deveria fazer, à encontrei, num canto, lugar em que eu nem lembrava mais
que existia, junto a milhares de sonhos antigos.
O que eu não imaginava, era a dor que me causaria ter que
rever tantas coisas.
Parei novamente, mas agora nos velhos sonhos. E aos poucos
fui me esquecendo de quem era. Esquecendo de quem havia me tornado. Me prendi
no passado e esqueci do presente. De quem eu sou, no que acredito, onde
cheguei.
Quando tomei coragem e me aproximei da porta, olhei pra trás
diversas vezes, a vontade de ficar era forte de mais. Ao virar a chave, uma
mistura de alivio e ansiedade me tomaram e em meio a lagrimas, abri.
Pra minha surpresa, o primeiro convite foi: "Saía! Vem
para fora, veja o que há aqui, coisas que talvez, você nunca tenha visto."
Após dar uma volta em tantos outros lugares, dos quais nem
lembrava que existia, outros eu realmente não fazia idéia de que estavam ali.
Voltei ao local de partida. E vendo-o de fora, pude perceber a bagunça que
estava. A sujeira. Não havia nem calor ali, muito menos luz. Coisas e mais
coisas guardadas, tudo fora de lugar, sem ordem alguma. Uma perfeita confusão.
Com medo, sem saber o que fazer, por onde começar, me
desesperei. Quis sair correndo, viver tudo o que não vivi lá fora.
Mas então, veio o segundo convite: "Vamos, entre
comigo. Há muito o que fazer, e preciso da sua presença pra deixar tudo como
deveria estar. Há muito trabalho por aqui, não temos tempo a perder."
Um suspiro longo e profundo.
Meus olhos travados, mais que minhas pernas. É agora ou
nunca.
Fixei-me em Teus olhos, doce olhar. Impossível resistir. Me
estendendo a mão, me ajudou a descer.
O primeiro passo é deixar a luz entrar. E com a volta do
sol, posso ver, os primeiros feixes de luz, iluminando tudo. E mesmo quando a
noite caí, a tua presença basta. A tua presença ilumina. Não há mais o que
temer.
Sei que vai doer. Mas sei que não estou sozinha. Quando eu
quiser sair e, provavelmente vou, você vai estar lá, trabalhando, mesmo que eu
não perceba. Pois você escolheu morar ali. Onde não há esperança, não há vida.
Onde há apenas lembranças, lagrimas, segredos, medos... Onde não há sentido
morar, foi ali que você escolher viver.
E você sabe que eu vou voltar. Sabe que se fui, é porque sou
fraca, medrosa, falha, não sei lidar com os problemas. E sabe que cedo ou tarde
vou te procurar e é aí que estará, me esperando. E sorrindo, me olhará com
amor, dizendo: "Ah... Aí está você. Estava com saudade. Vamos lá? O que
você acha disso daqui? O que você acha de mudar essa prateleira de lugar? Me
ajuda aqui, não aguento carregar sozinho."
Bobo... Sei que você consegue, assim como conseguiria
carregar a cruz sozinho, mas quis ser humano, e foi pleno Deus escolhendo viver
assim. E mais uma vez, faz comigo a mesma dinâmica. Sei do que é capaz, mas
quer que eu participe com você.
Sorrindo, arregaço as mangas e te ajudo a
carregar a cruz... A minha cruz.
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